domingo, 30 de outubro de 2011

Vale a pena ?



     Tenho dúvidas e venho relatar aqui o que começou em uma sexta-feira de quase inverno. Eu me mudara para um novo apartamento na Rua 43. Era um apartamento confortável para um homem solteiro de trinta e dois anos. Ficava no décimo segundo e último andar do prédio, com uma ótima vista para a cidade e no corredor havia uma escada que levava para o terraço. Sou escritor e sobrevivo escrevendo alguns contos para uma pequena editora. Às vezes, subo para o terraço para conseguir alguma inspiração. Trabalho de segunda a sábado num pequeno escritório dentro da editora e, na maioria das vezes, levo trabalho para casa.
    O fato é que eu não conhecia nada em meu novo bairro. No sábado, cheguei do trabalho por volta da sete da noite e resolvi sair andando pelo bairro para conhecer melhor o que ele tinha a oferecer. Passei por um mercadinho, uma farmácia, e uma modesta padaria, mas o que mais me chamou a atenção foi um restaurante. Na vidraça dele estava escrito: Aberto 24 horas. Achei ótimo já que não me sobra muito tempo para cozinhar.
    Entrei. Vi algumas pessoas sentadas jantando. Não era um restaurante chique, mas também não era nenhum boteco. Havia algumas mesas e um longo balcão com bancos no estilo daqueles “restaurantes trailers” americanos. Dirigi-me até lá e sentei-me. Um homem grande e barbudo veio me atender, pedi um suco de frutas. Perguntei-lhe se serviam café da manhã e gostei da resposta afirmativa. Fiquei observando uns homens em uma mesa bebendo e conversando, mas logo minha atenção foi desviada. Atrás da ponta do balcão havia uma porta que levava para a cozinha e de dentro dela saiu a mulher mais linda que eu já vira. Seus cabelos negros e longos iam até o meio das costas e contrastavam com a sua pele clara e com os lábios vermelhos. Mas o que me fez esquecer completamente do suco de frutas foram os olhos grandes, verdes e brilhantes. Não eram olhos de cigana oblíqua como diria Machado de Assis, mas eram olhos hipnotizantes que me fizeram ficar completamente atordoado. Para mim ela era a mulher mais perfeita que eu já tinha visto e aquele uniforme de garçonete fez dela minha obsessão. Enquanto saia de trás do balcão, ela olhava em volta. Senti que olhava para mim e virei rapidamente o meu rosto. Sou um pouco tímido. Senti-me tenso, nervoso e sem saber o que fazer fui embora para casa.
    Minha rotina não era mais a mesma depois que me mudei. Comecei a levantar um pouco mais cedo e todos os dias ia ao restaurante para tomar o café da manhã. Jantava nele também todas as noites, atraído mais pelo desejo de ver aquela mulher que despertou algo estranho em mim do que pela necessidade de comer. Fiquei tão obcecado por ela que já sabia até o horário que ela entrava e saia do trabalho e se querem saber, ela entrava às seis da tarde e saia uma hora da manhã. Podem me chamar de louco, mas eu estava apaixonado. E o pior é que eu nunca havia falado com ela. Simplesmente não conseguira dizer-lhe uma palavra. Sempre me sentava junto ao balcão onde o cara barbudo atendia, enquanto as garçonetes só atendiam as mesas. Uma vez, estava bebendo distraído no balcão e quando me dei conta, ela estava passando por mim. Até hoje eu não sei se foi minha imaginação ou se foi realidade, mas eu a vi piscando o olho para mim. Na hora fiquei paralisado e achei que aquilo tudo era um sonho. Fiquei extremamente apavorado, em parte porque isso nunca havia acontecido antes e porque eu não sabia o que fazer. Na outra noite, depois que ela saiu do trabalho, eu a segui. Era uma noite bem fria e provavelmente acharão que eu sou algum tipo de louco ou psicótico, mas eu só queria ter certeza de que ela chegaria bem em casa. Certifiquei-me de que ela não iria me ver, mas uma parte de mim desejava justamente o contrário.
    Uma semana se passou e lá estava eu sentado no mesmo balcão. Começava a pensar na situação deplorável que eu tinha me metido e percebi que eu nunca teria força e nem coragem para dizer a ela o que sentia. Por ela eu era capaz de tudo e sem saber direito o que estava fazendo, escrevi em um guardanapo a seguinte frase: “Você não sabe, mas um dia eu morreria por você”. Quase que imediatamente me senti ridículo e com vergonha de mim mesmo. Tanto que em seguida queimei o guardanapo num cinzeiro. A situação já estava virando uma comedia trágica.
    Na manhã seguinte acordei com raiva de mim mesmo. Fui para o restaurante, tomei o café de sempre e li o jornal. Para mim, a vida não tinha mais sentido e em mim pairava um sentimento de impotência. O café já não me dava a energia de antes, o jornal só me contava mentiras e eu sentia que a minha inspiração vestida de garçonete sugava todas as minhas forças. Mas mesmo assim. Eu ainda a amava. Desejava estar com ela todos os dias e só olhar sua beleza já não me satisfazia mais. A sua beleza era um veneno viciante e a cada dia eu a desejava mais e mais. Percebi que já não tinha mais nada a perder e resolvi falar com ela.
    Cheguei antes do turno de trabalho dela começar. Ela chegou e eu comecei a ficar ansioso. Fiquei a noite inteira sentado no balcão porque queria falar com ela assim que ela saísse. Tomei duas doses de um uísque banal e fumei um cigarro mesmo nunca tendo fumado antes. Depois do que parecia já uma eternidade a hora havia chegado. Ela entrou na cozinha e minutos depois saiu pela porta da frente daquele lugar que fizera da minha vida um caos. Saí em seguida. Ela atravessou a rua, agora sem o uniforme de garçonete e foi em direção a um carro estacionado do outro lado. De dentro do carro saiu um sujeito alto e bem vestido e ela parecia conhecê-lo. Ele abriu os braços e recebeu-a com um abraço e um beijo na boca. Não consigo e nem tenho palavras pra descrever o que senti na hora. A cena me fez voltar à minha infeliz realidade. Parecia que as coisas ao redor estavam desabando. Eu estava na porta do restaurante e não queria acreditar no que estava vendo. Corri de volta para casa não podendo mais negar a realidade.
     Dois dias se passaram e agora depois de tudo, a cidade me parece diferente e mais calma. Daqui desse terraço as coisas parecem tão simples. Só parecem. Mas pelo menos já passou. Fico aqui imaginando se tudo poderia ter sido diferente, talvez melhor ou pior. Sei que o que eu fiz foi errado e que a maioria das pessoas não compreenderia. Sei que na lei dos homens o que eu fiz foi um crime e que na lei de Deus é um crime maior ainda. Mas eu queria saber se a altura desse prédio resolveria meus problemas. Será que se eu der esse mergulho sem volta eu a reencontrarei de novo?


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